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18 dezembro, 2014

Do Amor e do Tempo



O Tempo - Chronos - tem duas mulheres trabalhadeiras: a Velhice e a Morte. Elas hão de chegar e vou lhes dizer que venci porque muito amei.
Estarei sorrindo.
Elas não se entendem. Feiosas, brigam e nem sempre chegam juntas em nossos mundos.
Quando for minha vez de receber uma ou outra, ambas pensarão que eu não terei me preparado, e que viajarei sem nada na bagagem.
Tolas. Estarei com a mala cheia de luas cheias, olhares molhados, poemas bobos, fôlegos arrancados, carinhos quentes, suspiros e massagens.
 

Enquanto a Velhice manda recados, a Morte, nem sempre.
Por isso, amo. E amo já. O depois pode ser somente uma miragem.
Ambas assustam muita gente já que suas visitas são tão inexoráveis quanto indesejadas.
Ninguém as quer por perto. Coitadas.
 

Eu sei que no dia em que a Velhice me bater à porta, não tentarei suborná-la como muitos fazem crendo que ela e o Amor nunca andam de braços dados.
“Quem pode amar e ser amado quando a juventude se foi?” - Pensam, apavorados.
Entretanto ela chega. Dinheiro, beleza ou glória não a dissuadem. Senhora decidida e sem preconceitos chegará em minha casa como na do rei e na do pobre, na do sábio e na do tonto, com a mesma disposição. Nessa investida sem preconceitos a Morte também é boa.
 

A Velhice, menos pomposa, é mansa e cheia de silêncios.
Artista e bruxa, me marcará a pele. Não há jeito.
E Chronos, Senhor das horas e do calendário, o que devora pedras e valores, belezas e temores, a aplaudirá por seu feito.
E para quê fugir?
Há quem caia na tentação de oferecer-lhe moedas. Ela finge que aceita, debochada e tirana.
Dá dois passos para trás apenas, ficando na espreita. É assim que engana.
O dinheiro parece trazer de volta o frescor de alguns anos de juventude. Remodelamentos esticam a pele com custos de ouro e de dignidade.
Faces inexpressivas, olhos e almas repuxados. Não parecem jovens e sim infelizes, por querer resgatar um viço que não mais poderia existir. Tentando reparar e refiar o manto já desfiado da vida passam a desfilar desidentificadas do que foram. O medo de serem “coroas” faz com que se tornem outras pessoas.
 

Porque aqui escolher é encolher, pois não é uma coisa ou outra. O Amor, sim, pode estar quando a Velhice já deixou seu traçado.
Mas decidir barrar-lhe os passos é criar para a própria imagem um arremedo de juventude que não se sustenta e que violenta.
Se eu amar e tiver muito amado, meu mundo de dentro será totalmente jovial e até pueril. Não há ruga que se apresente num coração competente.
 

E quando a visita da Morte se fizer, quero olhá-la com superioridade. Quero lhe dizer de todas as coisas vividas no tempo certo, das dores e dos sabores, das festas e dos desesperos. Quero fazê-la puxar uma cadeira para ouvir de amor e de paixão.
 

Eu lhe falarei orgulhoso de todo o Eu que, amando, consegui ser enquanto o mundo me cobrava ser diferente. Vitorioso é quem consegue diante da Morte dizer que amou como podia, exatamente.
Mais inflexível que a Velhice, ela não recua ante qualquer pretexto, moeda ou argumento.
Contudo olhará pra mim admirada ao perceber que estou pronto, e não pretendo demovê-la do seu intento.
Nesse momento eu também a terei vencido e ao seu marido, porque fiz um pacto com Kairós - o outro tempo - o das oportunidades, daquilo que se eterniza quando a alma se enternece, e vive o bom que é no instante em que o bom acontece.
Na memória estarão as muitas vezes em que me permiti o amor vivendo-o sem adiamentos. E valeu sentir-me sem vergonha e senti-lo sem constrangimentos.
E misturei-me inteiro. Se precisava mudar rumos, torci estradas. Se devia voar sobre o imutável, evaporei e tornei-me nuvem.
E foi apropriando-me das oportunidades que não se perderam que o amor se eternizou. Mesmo que um dos lados não permanecesse.
Kairós é o jovem alado com cabelos na testa e nuca calva. Assemelha-se a Eros em imagem e ação. Mas ou é agarrado de frente quando surge ou se perde a ocasião.
 

E eu aproveitei. E vivi. No tempo que teve que ser, mesmo que um dia, mais tarde, tenha deixado de ser.
 

A Velhice e a Morte também chegam à casa dos relacionamentos. E mesmo que uma relação acabe, o amor que dela brotou na alma sobrevive.
Pois enquanto para a vida-a-dois precisamos de dois, para o Amor basta um.
E aí resistir não é re-existir. Quando algo precisa acabar pois alguém quer sair, isso já é um rio. Deixe-o seguir.
Nesse terreno não creio em ressurreição quando um dos lados não quer. Impedir que o amor se vá é querer de novo um coração a bater em múmias.
Sei que na minha mala todas as taquicardias estarão guardadas, se assim eu quiser, mesmo quando o outro já não estiver.
 

E quando eu falar isso à Velhice e à Morte, creio que não entenderão e ficarão descontentes.
Quererão horror e tremor mas me verão potente. Mala cheia de afetos vividos. Seguro, vivente.
 

Elas me encontrarão de amor preenchido, feliz, nutrido e nutrindo.
Como disse, a Velhice e a Morte hão de chegar e vou lhes dizer que venci porque muito amei.
Estarei sorrindo.
Por Kau Mascarenhas é palestrante, escritor e ilustrador, tem formações em PNL - Programação Neurolinguística e Coaching. É sócio-diretor do PRO-SER Instituto.

 "JUNTE-SE A NÓS NESTE IDEAL: DIVULGUE O ESPIRITISMO."

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