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27 setembro, 2013

Abismo



Aquele homem olhava para o chão.
Como tantos homens iguais, aquele também olhava para o chão
e nem mais percebia como era o caminho,
só sabia que em breve aquela estrada terminaria num penhasco e tudo,
finalmente, teria fim...
Ouvia o ruído do cascalho nos seus pés descalços, sentia o vento a soprar seus cabelos, via o chão vermelho e árido, e tudo convidava a retornar e tentar mais uma vez.
 
No entanto a voz das suas decepções insistia em falar mais alto,
o sentido de não significar nada para si mesmo o dominava,
e a visão de um final rápido o estimulava...
Estava se aproximando do ponto onde o caminho se tornava precipício,
e ali parou para pensar em coisas que havia escutado em sua vida.
Lembrou de quando lhe disseram que viver era aprender, lembrou de quando lhe falaram que viver era ensinar, lembrou de quando lhe ensinaram a tentar de novo...
Mas tudo isso parecia tão distante... quedou perante o abismo afinal.
 
A um passo estava a possível liberdade, tudo seria tão rápido...
Como mantinha os olhos voltados para baixo, percebeu seus pés sujos,
e o chão árido...
Sua alma também estava árida e suja.
gritou e blasfemou, e sua voz chegou às montanhas e retornaram.
Era engraçado – o eco parecia ainda mais alto que o brado inicial...
e as blasfêmias e gritos continuaram retumbando por algum tempo.
Gritou ainda mais – era como uma despedida sonora antes do salto planejado e desejado há tanto tempo...
E foi neste instante, enquanto as nuvens se abriam mostrando um sol dourado de fim de tarde, que uma brisa soprou um pouco mais forte e ele pode ouvir uma voz, que não era a sua. não era o eco de seus impropérios, nem o sibilar do vento...
 
Era alguém que se aproximava e o chamava de irmão...
sentiu a mão quente de alguém a lhe tocar o ombro e teve coragem para erguer os olhos pela primeira vez depois de tanto tempo...
Um homem, cujo olhar reunia o mistério dos seres encantados,
cuja boca tinha o mel dos sorrisos infantis, e cujo tom de voz reproduzia a confiança dos sábios, estava parado ali ao seu lado.
Parecia não temer o abismo e não mostrava nenhuma força ou interesse,
capaz de impedi-lo de fazer o que pretendia...
Teve coragem então para dizer: estou no fim da linha, já basta o que passei.
 
E esperou alguns instantes antes de ouvir uma voz que parecia reverberar dentro de sua própria mente. e foi assim que o estranho falou:
Sei como se sente. a mais dura das experiências é a de caminhar sozinho
e com só uma alternativa.
Mas, olhe para as montanhas ao longe, veja como são silenciosas... solitárias também...
 
Mas bastou que lançasse seus gritos para que gritassem também.
Olhe para elas... o que será que gritariam se fosse outro o seu brado?
experimente gritar amor...
O homem hesitou ante a proposta do estranho.
Será que conseguiria gritar palavra tão sublime?
Ainda que a dúvida fosse amarra poderosa, ele gritou.
A princípio com a voz baixa dos inseguros.
 
Gritou amor mais uma vez já com um pouco mais de força, força que ia surgindo do próprio esforço em gritar.
Gritou amor mais uma vez e a plenos pulmões e pode se sentir abraçado
pelo eco de amor que retornava...
 
O estranho então disse:
Você tem a energia dos gigantes, fez as montanhas falarem!
O que acontecerá quando gritar a palavra paz?
E dessa vez foi mais fácil. Já possuía a força do amor, e gritou: paz!  
E as montanhas berraram também em seguida.
Com os recursos do amor e da paz, não foi difícil atender ao convite seguinte, quando o estranho lhe pediu que gritasse esperança.
E assim ele fez. E a tarde ouviu o eco abençoado se espalhando
por toda parte...

 
Ele já olhava para o alto, respirava mais profundamente,
sentia o amor, a paz e a esperança penetrando-lhe a alma...
O abismo a seus pés já não interessava tanto quanto o céu aberto
por alvas nuvens e pássaros ligeiros...
O estranho sorria, e seu sorriso era pura compreensão...
 
O homem perguntou: e o que faço com meus erros?
O estranho respondeu: abrace-os...
Perguntou de novo: e o que faço com meus medos?
E a resposta foi: abrace-os...
E mais uma vez inquiriu: e minhas dúvidas, infelicidades, fracassos e desacertos?
A resposta foi: abrace-os. Abrace tudo o que de alguma forma teve importância para o seu crescimento. e se o aprendizado foi bem realizado, nada disso precisará permanecer.
O caminho agora é feliz. o sofrimento é mensageiro desagradável que traz encomenda importante. receba a encomenda e diga adeus ao mensageiro.
 
E diga adeus com cortesia e gratidão...
O homem respirou fundo mais uma vez e perguntou:
E onde foi que você aprendeu tantas coisas?
O estranho, com a calma dos que sabem esperar simplesmente disse: Aprendi tudo isso quando o amor desceu à terra...
 
Agora era o momento de retornar, o homem deu meia volta e viu o que antes lhe era invisível, viu que do cascalho árido do chão saiam arbustos
cheios de flor e árvores carregadas de frutos.
Olhou para o estranho e disse: o que farei quando quiser
mais uma vez me lançar no abismo? Como encontrarei você de novo para me salvar?
 
O estranho apenas lhe sorriu e, magicamente, transformou-se em luz,
que foi entrando em seu peito bem devagar...
Por Kau Mascarenhas - Escritor Espírita 
"JUNTE-SE A NÓS NESTE IDEAL: DIVULGUE O ESPIRITISMO."

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