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29 junho, 2011

Uma Jovem perigosa


       Vem a propósito o que se passou, anos atrás, com uma jovem de formação cultural invejável, numa das capitais do país, segundo jornal da época.
       Sobraçando originais de um livro cuidadosamente preparado, chega logo de manhã a moça a uma editora de renome. Crônicas, contos, poesias. São dignos de publicação, assim os considera e quer que o editor aceite.
       O homem interrompe os afazeres, atende a moça, faz leitura dinâmica, vê logo que o assunto não se promove, não dá.
       - É, infelizmente... no entanto, mais à frente, outras produções. Quem sabe?
       O rosto da jovem se preocupa. Está ansiosa, sua respiração se altera:
       - Mas... o senhor nem leu direito. Fique com eles, leia com atenção.
       - Infelizmente este gênero de literatura não tem público, senhorita.
       A criatura não se contém, e fala de um mundo de ignorantes, de pessoas em lugares errados, cargos de importância ocupados por ineptos.
       O homem escuta impassível, sorriso leve, como que se desculpando, mas dono da situação.
       Estas produções - insiste ela - eu as escrevo debaixo de grande emoção. Sério, mesmo - continua, explicando.
       Levantava-se à noite, quando todos permaneciam imersos em sono, a casa tranqüila. E vinha tudo como uma inspiração fantástica, chegava a doer-lhe o braço, tal a vontade de transbordar no papel sua alma emocionada.
       E leu para o homem complacente mais algumas linhas, puxando a emoção para cada sílaba, caprichando.
       A voz da salvação chega com a secretária, que chama o patrão:
       - Senhor. Dona Fulana (a esposa) quer lhe falar, urgente. Na sala ao lado.
       O editor pede licença, polido, e deixa o compartimento.
       Revoltada contra o mundo, contra aquele empresário sem nenhuma sensibilidade, contra tudo que a frustrava, no momento, aproveita aquela saída e, num átimo, tranca-se por dentro. O escritório agora é seu.
       Chegou a hora da vingança. E com todos os requintes e pormenores, passa a destruir o palco das súbitas desilusões. A fúria só se contém entre os braços da polícia. No Distrito Policial, a dúvida se desvanece: o caso é da competência do Departamento de Assistência ao Psicopata.
       Se os apressados críticos julgam tratar-se de mais um caso de loucura na cidade grande, nós que conhecemos o assunto já sabemos que estamos à frente de uma psicógrafa novata sob processo obsessivo.

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