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01 abril, 2011

Um sentido para a Vida e para a Morte

É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque,
talvez mais do que na vida, é na morte que o homem se revela. É nas
suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que
a vida tem de mais fundamental.”
Edgar Morin

Morte, palavra tão temida e quase impronunciável em nosso vocabulário cotidiano. Por que é tão difícil falarmos da morte? Por que insistimos em negar um aspecto natural do ciclo da vida? Muitas são as respostas e reflexões a partir dessas perguntas aparentemente tão simples. De todas as experiências humanas, nenhuma é mais importante nas suas implicações do que a morte. Como diz Morin, a morte nos expõe, nos desnuda por completo. Frente a ela somos obrigados a repensar a vida, nossos afetos, nossos valores e nossa visão de mundo. Somos arrebatados da vida mundana e cotidiana para mergulharmos em nosso mundo psíquico, enfim no nosso Eu. 
A vida como que se paralisa por um instante, convidando-nos para uma profunda reflexão. Philippe Ariès (2003), um dos maiores pesquisadores sobre a questão, nos aconselha sabiamente ao nos convidar para um estudo da morte:
“Não é fácil lidar com a morte, mas ela espera por todos nós... Deixar de pensar na morte não a retarda ou evita. Pensar na morte pode nos ajudar a aceitá-la e a perceber que ela é uma experiência tão importante e valiosa quanto qualquer outra.”
E é exatamente a isto que a temática da morte nos convida. A não mais adiarmos essa tomada de consciência e colocarmos a temática da morte na pauta do dia.
A reflexão a que ela nos conclama não é apenas uma análise intelectual: pensar na possibilidade da morte do outro ou ver a morte como um mero objeto de perquirição. Ela também nos incita a uma vivência muito mais profunda dos nossos sentimentos, vasculha no mais fundo dos baús, arranca-nos o que temos de mais genuíno, ou divino, da nossa condição humana: o amor.
Precisamos experenciar esse sentimento na sua totalidade, não há mais tempo para os subterfúgios, pois o amanhã pode não mais ser.
Diante da possibilidade real da nossa ou da morte daqueles que compartilham a nossa intimidade, o amor cresce e toma proporções que não acreditávamos ser detentores. Esse amor desabrochará para tentar concretizar nossos sonhos e ideais mais sublimes. Urge nos potencializarmos enquanto seres humanos ou, quem sabe, seres divinos, quando observamos, as pessoas que defrontam a morte buscarem realizar seus desejos mais íntimos e que tomam um caráter de urgência.
Diante da possibilidade da morte, podemos expressar diversos sentimentos, como observado e pesquisado por aquela que foi a maior autoridade na abordagem do processo da morte e do morrer, a psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross (1981): negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Entretanto ao nos referirmos a essa classificação didática que a autora fez, temos que nos precaver para não levá-la a ferro e fogo ou simplesmente banalizá-la, ao reduzi-la a um mero esquema. Elisabeth entendia que esses sentimentos podem ser expressos de diversas formas e por várias pessoas envolvidas no processo da morte (pacientes, familiares e profissionais). Esses sentimentos podem ser visíveis seja de forma alternada, seqüenciada ou não, isoladamente, em conjunto, perpetuação de um mesmo sentimento, etc. O que igualmente verificamos nas nossas experiências como profissional ao longo de 18 anos de atuação na medicina.
Além disso, vemos na tônica geral dos discursos seja dos pacientes, dos familiares, vizinhos, cuidadores e mesmo de alguns profissionais a utilização da espiritualidade diante dessa que é considerada a nossa maior adversidade: a morte.
É consenso que, diante da possibilidade da morte, a espiritualidade levanta-se como a grande senhora e rainha. A fé que, às vezes, se mostrava tíbia e duvidosa ou sem aplicações práticas, se agiganta e toma proporções inimagináveis e muitas vezes desconhecidas dos próprios pacientes e familiares. 

Os últimos estudos da medicina que abordam a interface entre a saúde e espiritualidade mostram que a espiritualidade está associada com melhor qualidade de vida, menos depressão, menos estresse, melhor funcionamento do sistema imunológico, maior aderência ao tratamento e mais garra para lutar contra os obstáculos, independente da fé professada. Isso fica cristalino à medida que tomamos contato com pessoas que enfrentam à morte, seja de forma direta ou indireta.
A teologia, também, continua sendo a única, entre todas as ciências, a nos responder às seguintes questões: de onde viemos, o que somos, porque sofremos, porque estamos aqui, qual o significado e sentido da vida, onde se encontra a verdadeira felicidade e para onde vamos.
Fica patente também outra faceta do amor que a morte nos traz. O despertamento do sentimento de compaixão por aqueles que nos cercam. É notório em todas as vivências que o autor deste artigo teve oportunidade de acompanhar enquanto médico, ao longo dos seus 19 anos de trabalho, como esse sentimento aflora com tal força nos companheiros que privam dos nossos cuidados, convívio diário e da nossa intimidade. Vemos o carinho, os pequenos gestos de solicitude e mimos que os pacientes recebem dos filhos, esposos, dos irmãos e mesmo dos vizinhos e profissionais e vice-versa.
A morte desrespeita e quebra propositadamente todas as regras, barreiras e etiquetas superficiais criadas pelas sociedades, pelos rituais psicológicos e pelos os homens. A morte, através do amor, arromba as últimas comportas das resistências intelectuais, psíquicas e espirituais. Rompe de maneira definitiva as mais profundas defesas em qualquer área em que elas estejam. Seja no emocional, cognitivo ou religioso. Os seres são invadidos sistemática, continuadamente e por todas as frentes pelo amor e pelos sentimentos enobrecidos de compaixão, altruísmo, desprendimento, entre outros.
Os seres tocados pelas sombras da morte, de maneira oposta ao que se esperaria, se iluminam, quase que se divinizam tentando em um curto espaço de tempo atingir as potencialidades da sua perfectibilidade.
Até mesmos os profissionais da saúde, quando se deixam serem tocados pela mensagem da morte, não conseguem permanecer imparciais, insensíveis ou arredios diante dessa profunda reflexão e invasão a que a morte nos concita.
E se a morte nos convida a tudo isso, por que adiarmos esse encontro reflexivo, por que esperarmos que ela nos bata à porta para que possamos rever atitudes, refazer metas de vida, valorizar as coisas simples e felizes da vida? Procurarmos sermos mais que termos. Para que demorarmos mais para encontramos um sentido para vida? Como diz o cantor Toquinho na música Aquarela:

´´... E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar...

Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá... ``


E não seria esse o sentido da vida e consequentemente da morte, despertar em nós o amor, o respeito pela sacralidade da vida, o avivamento da nossa espiritualidade e nos potencializarmos como seres divinos não só no além, mas no hoje e no agora?
Franklin Santana Santos

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